sexta-feira, 16 de maio de 2008

Pra ver se cola


É que eles se encaixavam tão bem. Se você os conhecesse, diria que as almas foram moldadas juntas, e nesse dia fez um tempo bom.

- Onde você tanto guardava esse olhar de eu contemplo todos os teus gestos? Como você conseguia disfarçar enquanto eu sentia teus olhos em mim? Você não piscava e eu te surpreendia me observar com esse canto de olho inocentemente distraído. Por onde a gente andava antes de ouvir aquela flauta tocar? Por que teu espanto ao me notar chorosa durante o espetáculo? Você me amou nessa hora, naquelas horas. Por que as meias luzes faziam teu cheiro me procurar? E como você conseguia fazer com que teu abraço voltasse pra casa comigo? Como você me desenha em teu sorriso? Não entendo agora porque teus sinais não chegavam até mim, e olha, você foi o primeiro a dançar naquela chuva. Quem te pediu pra tomar minha solidão assim?

- Ah, veja bem, meu bem: não te prometi amor. E se teu gostar pousou em mim, foi por mera distração, bem sei. Teu olhar em mim era feito de todos os olhares que você amou um dia. Não te ofereci céu, eu só tinha um teto escuro. Não, não disfarço que minhas noites eram minhas apenas por tê-la comigo. E como era bom! Sim, era bom. Receber a noite através da tua singeleza era como se você me devolvesse minha parte, como se você me devolvesse a mim.

- Reconhece então porquê não desviei naquela curva? E você ensaiava o violão tão irritantemente concentrado. Me ouvia te ouvir. Você errava tão lindo, sem querer. E como era engraçado te notar irritado. Tão meu você era. Ah, como você me tinha. Me tinha sem saber. E quer saber? Não te explicaria o quanto era bom te ter em segredo.

- Não me assusta assim! Fico sem conseguir mirá-la. Lembra os nossos primeiros encontros, um tanto tímidos. Só falávamos de música. Acho que nossa vitrola tocava bonito, assim. Hoje sinto falta das tuas críticas ao meu lado, saiam imprensadas com as minhas. De vez em quando o som tava muito alto, aquelas flautas. Lembra? Aí os lábios se moviam, talvez pedindo um beijo que não tinha voz. Não teve vez. Talvez se você tivesse olhado pra mim ao invés de disfarçar teu olhar no meio daquele chuvisco que começou a cair antes de irmos para casa. Não lembro de tanto ter desejado permanecer dentro do carro.

- Você teve ciúmes.

- Você teve ciúmes.

Risadas.

Silêncio.

- E disso tudo o que ficou? Outro conto? Mais um desencontro?- É a história das coisas que ficam daquelas que não ficaram.

- Agora não sobra nada. Confesso, sim, ainda tê-lo em mim quando a flauta toca no meu som, quando aquelas vozes cantam. Lembro da atenção especial fazendo do mundo uma insignificância, lembro também dos meus desenganos. Quase não dói, e continua a ser doce.

- Teu desenho também já não sei se ainda cola no meu. Sabe quando puxa de vez? Arde na hora, e depois não gruda mais.

- E a foto?
- Vou guardá-la, pra dançar com os nossos sonhos em par.




Cola o teu desenho no meu

Pra ver se cola

Cola o meu retrato no teu

E me namora

Comigo nessa dança

Um sonho de criança

E o meu coração colado ao teu

Pra ver se cola.


- Pra ver se cola (Cantada por Los Hermanos)

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